domingo, 7 de março de 2010

Uso dos antigos Paulistinhas na instrução de voo

Muitos candidatos aos cursos de pilotagem ainda procuram por aeroclubes que operam os velhos CAP-4 e Neiva P-56C Paulistinhas, principalmente com a intenção de gastar menos dinheiro com as horas de voo.
Embora o Aeroclube de Londrina ainda tenha dois Paulistinhas, um CAP-4 fabricado em 1945 e um P-56C fabricado em 1960, esses aviões não são mais usados, e estão destinados ao futuro Museu de Aeronaves de Instrução, que será criado no Aeroclube, por iniciativa do atual Presidente, Coronel Humberto Cavalcante Marcolino.

Por que não usar mais esses aviões, enquanto vários outros aeroclubes ainda os usam? É muito simples, são aeronaves muito antigas que, se sofrerem algum acidente, representarão uma grande perda histórica. Outro problema é a total ausência de um sistema elétrico no avião, o que impede a instalação de transceptores de rádio e transponder, obrigatórios para uso em voos dentro da Terminal Londrina e em praticamente todas as TMAs do Brasil.

Sem sistema elétrico, essas aeronaves simplesmente não podem ser mais usadas em Londrina. Instalar um sistema elétrico. rádio e transponder nesses aviões implica em modificações muito custosas, que necessitam de certificação da SAR da ANAC, o que é inviável financeiramente para uma aeronave tão antiga.

Para o aluno, também não há vantagem nenhuma em voar nos Paulistinhas. Muitos aeroclubes voam essas aeronaves, por baixo preço, mas isso dura geralmente até a revisão geral(TBO) do motor que, devido ao alto custo e raridade das peças, já é bastante complicada. Voar sem usar rádio e transponder, o que só é possível fora das TMA, e sem flap, também não é muito prático para um aluno que pretende voar profissionalmente no futuro. Se for para economizar, é mais prático então voar planador, que vai trazer muito mais vantagens do que "esmerilhar" os velhos Paulistinhas.

Hoje em dia, praticamente todos os candidatos ao Curso de Piloto Privado têm ambições profissionais, já que os que pretendem apenas voar por esporte procuram os clubes de ultraleves que são bem menos burocráticos e mais baratos. Até existem por aí réplicas de Paulistinhas matriculados como ultraleves, mas já equipados com sistema elétrico, rádio, transponder e até aviônica de última geração.

Para o aluno que pretende voar profissionalmente, especialmente na aviação comercial, é melhor voar em um aeroclube instalado em uma grande cidade, para que o mesmo se habitue a voar em meio ao tráfego dos jatos e aeronaves maiores, comunicação rádio com torre, controle de aproximação e ATIS, e saber lidar com aeronaves um pouco mais sofisticadas.

Na foto acima, o CAP-4 PP-HDG, que voou antigamente no Aeroclube de Londrina e que hoje está no Aeroclube de Pelotas, ainda em sua função original.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Cessna 150: o melhor treinador civil do mundo

Uma aeronave de treinamento básico deve possuir determinadas características, como boa estabilidade, docilidade, simplicidade e baixo consumo de combustível. Nem sempre é fácil reunir essas características em uma só aeronave, pois na aviação, o que se ganha de um lado se perde do outro.
Uma aeronave em particular, entretanto, conseguiu reunir tal número de qualidades para um treinador que se tornou a quarta aeronave civil mais vendida no mundo: o Cessna 150. Desde o primeiro ano de produção, em 1958, até o encerramento da linha, em 1977, foram produzidos 23.839 exemplares, sendo que a maioria foi empregada como treinador básico.

O Cessna 150 é uma aeronave pequena, com apenas 726 Kg de MTOW (Maximum Take-off Weight). É um monomotor de asa alta, com trem de pouso triciclo e dois lugares. Substituiu o Cessna 140 na linha de produção, oferecendo a vantagem de um motor mais potente e o trem de pouso triciclo, bem mais fácil de operar no solo que os trens de pouso convencionais. O motor utilizado foi o Continental O-200A, de 100 HP a 2.750 RPM, com 4 cilindros horizontais opostos.

O primeiro protótipo do Cessna 150 voou em 12 de setembro de 1957, e as primeira aeronaves de série saíram da linha de produção em Wichita, Kansas, um ano depois, em setembro de 1958.

Desde o início da produção, os Cessnas 150 demonstraram serem incrivelmente dóceis, fáceis de voar e de custo de operação muito baixo, características ideais para o treinamento de novos pilotos. De fato, por volta de 1969, 61 por cento dos pilotos, nos Estados Unidos, eram treinados a bordo desses pequenos monomotores. Esse fato foi muito favorável à Cessna, pois a maioria dos pilotos, depois de checados, tendiam a preferir aeronaves monomotores Cessna para voar, como os 172 Skyhawk, 182 Skylane, 206 Stationair e 210 Centurion, aeronaves mais pesadas mas com características de voo muito semelhantes às do pequeno 150.
De fato, a estratégia da Cessna era produzir aeronaves de transporte pessoal e/ou familiar, monomotores de asa alta facilmente pilotáveis, quase um automóvel voador. A estratégia deu certo, pois os monomotores Cessna estão entre os mais produzidos aviões civis da história. Esses monomotores ficaram em produção por décadas e, ainda que a produção tenha sido interrompida por algum tempo, os modelos 172, 182 e 206 ainda são fabricados em pleno Século 21, uma longevidade de mais de 50 anos de produção.

O pequeno Cessna 150 não tem a intenção de ser uma aeronave de excelente desempenho. Tem pouca potência disponível para o peso, e uma hélice razoável para o voo em cruzeiro, mas bastante sofrível para decolagem e subida, especialmente em aeródromos elevados e/ou quentes. Seus tanques garantem uma autonomia de quase 6 horas.

O motor Continental O-200, embora simples e confiável, é um tanto frágil para o treinamento de pilotos, exigindo maior controle dos instrutores quanto à operação. Acelerações ou reduções bruscas de RPM devem ser evitados, assim como longos planeios em ar frio, sob pena de rachaduras nos cilindros. O sistema de partida é particularmente frágil e de difícil manutenção, e muitas escolas de aviação optaram pela sua desativação, optando pela partida manual na hélice.

A ergonomia não é boa: embora os assentos tenham regulagem em distância, pilotos altos tem sérios problemas, pois as pernas interferem nos manches em comandos de rolamento. Há pouco espaço para pilotos mais corpulentos.

A direção no solo é muito fácil, graças à triquilha comandável pelos pedais do leme. Em voo, o cruzeiro pode ser feito a mais de 100 Knots TAS . A velocidade de estol, com flaps abaixados a 40 graus, é de apenas 42 Knots, excelente para missões de treinamento básico. O avião apresenta, no entanto, tendência a cair para o lado direito no estol, mas isso é facilmente corrigível até pelo mais mais inexperiente dos pilotos.
Os primeiros exemplares do Cessna 150 (foto acima) tinham a fuselagem traseira elevada e deriva vertical. A partir dos modelos C150D/E (foto abaixo), produzidos a partir de 1964, a fuselagem foi dramaticamente modificada, rebaixando-se o cone de cauda e introduzindo-se uma janela traseira bipartida, o que melhorou muito a visibilidade do piloto para trás. Uma deriva enflechada a 35 graus e de linhas mais retas passou a equipar o modelo C150F, a partir de 1966. A aparência geral da aeronave pouco se modificou daí em diante.
A Cessna produziu alguns modelos especiais do Cessna 150, e o mais interessante deles foi o modelo A150 Aerobat. Essa aeronave podia suportar cargas estruturais de 6 G positivos e 3 G negativos, permitindo manobras acrobáticas limitadas como parafusos, chandelles, oito-cubanos e reversões verticais. Essas aeronaves possuiam assentos especiais, que permitiam o uso de para-quedas de assento, além de portas de liberação rápida. Os carburadores de cuba e a falta de potência disponível impediam, entretanto, a realização de manobras mais radicais, assim como o voo invertido.

Em 1978, os Cessnas 150 foram substituídos na linha de produção pelos modelos C-152. A célula era praticamente a mesma, mas os motores foram substituídos pelos Lycoming O-235, de 108 HP de potência, e os flaps foram limitados a 30 graus de extensão máxima. O comportamento e o desempenho do avião pouco mudaram, mas o motor era mais robusto e suportava melhor os comandos bruscos dos alunos. Essa versão permaneceu em produção até a Cessna fechar definitivamente a linha dos monomotores leves, em 1986.

O fabricante Reims, da França, fabricou sob licença, 1.764 aeronaves F-150. Essas aeronaves eram praticamente idênticas às produzidas nos Estados Unidos, à exceção do motor. Os F-150 eram equipados com motores Rolls-Royce-Continental O-240, de 130 HP.

Mesmo depois de 23 anos após a produção dos últimos exemplares, o Cessna 150 permanece como o treinador ideal para os cursos de pilotagem básica, fato comprovado pelo valor de revenda de aeronaves usadas, até hoje exportadas para muitos países. Embora a Cessna tenha tentado oferecer o Cessna 172 como treinador, por algum tempo, cedeu às pressões do mercado e voltou a oferecer um monomotor de 2 lugares para treinamento, o modelo C-162 Skycatcher, produzido na China a partir de 2007.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Aero Boero: um avião polêmico

Esse texto foi publicado originalmente na revista Aviação em Revista

Em 1986, o Departamento de Aviação Civil estava preocupado com a situação da frota de aeronaves de instrução dos aeroclubes brasileiros, constituída, em sua maior parte, de aviões construídos nas décadas de 40, 50 e 60. Embora estimados pelos pilotos, os veteranos Paulistinhas CAP-4 e P-56C já se encontravam muito desgastados, obsoletos e incapazes de suprir as necessidades dos Aeroclubes. Sem sistema elétrico, sem rádio e sem qualquer recurso mais avançado, sofriam cada vez mais restrições para voar no já congestionado tráfego dos aeroportos brasileiros.

A necessidade de renovação e reposição da frota era urgente. Infelizmente, não existia no mercado, à época, uma aeronave de treinamento disponível para aquisição em grande quantidade e por um custo viável. A Cessna havia encerrado a fabricação de todas as aeronaves leves, a Piper ainda se reerguia de seu processo de falência, e a Embraer estava desativando sua linha de produção de aeronaves leves para se concentrar na fabricação de aeronaves comerciais e militares.

O DAC aventou a hipótese de reativar a fabricação dos Paulistinhas, mas não houve interesse de nenhum fabricante. A solução para o impasse estava na Argentina. Dois fabricantes daquele país, Aero Boero e Chincul, tinham condições de fabricar aeronaves de treinamento. A Aero Boero sugeriu reativar a produção do modelo AB-95/115, que voou pela primeira vez em 12 de março de 1959, e cujo último exemplar havia sido fabricado em 1976. A Chincul podia oferecer o modelo PA-18, último descendente de uma longa linha de treinadores leves da Piper, fabricado sob licença.

A única proposta efetivamente apresentada, da Aero Boero, foi considerada interessante. O fabricante poderia atender um pedido de cerca de 400 aeronaves em curto espaço de tempo, 5 ou 6 anos. Ademais, a proposta também era política e economicamente interessante para os governantes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, interessados em uma parceria que viria a se tornar, mais tarde, no Mercosul.

O DAC enviou 6 experientes instrutores de vôo civis e dois oficiais da Força Aérea Brasileira para avaliar uma aeronave disponibilizada pelo sr. Hector Boero, presidente da Aero Boero, em Monteros, sede da fábrica. Embora fizessem ressalvas quanto à ergonomia da cabine e quanto à baixa potência de seu motor AVCO Lycoming O-235, de 115 HP, avaliaram positivamente o avião.

O DAC deu sinal verde para a aquisição, a um preço inicial de US$ 74 mil para cada exemplar. Várias unidades do modelo AB-180, que Hector Boero oferecia no mercado, desde 1967, como avião de turismo leve ou agrícola, foram também encomendados, com a finalidade de rebocar planadores nos aeroclubes.

A fabricação da aeronave iniciou-se em 1987, e os primeiros 5 exemplares foram entregues no início de 1988, no Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo/RS. O DAC convidou instrutores de vôo de vários Aeroclubes para adaptação e padronização na nova aeronave. A intenção do DAC, nessa época, era criar 5 grandes centros de formação de pilotos, para substituir as centenas de aeroclubes deficitários espalhados pelo Brasil, idéia que acabou não sendo concretizada.

Com a chegada, até 1994, de quase 400 exemplares de AB-115 e AB-180, o DAC doou aos aeroclubes as veteranas aeronaves de sua frota, uma heterogênea coleção de HL-1, CAP-4, P-56C, PA-18, PA-20 e J-3, muitas das quais ainda operam em sua função original.



Os primeiros 5 exemplares foram entregues no início de 1988, no Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo/RS


O Aero Boero em serviço

A substituição dos Paulistinhas pelos Aero Boero não significou um grande avanço para a instrução de vôo. Para os pilotos, mudanças bem-vindas foram a partida elétrica, o intercomunicador e o rádio, mas, no geral, não houve grande ganho de desempenho e nem acréscimo de equipamento mais avançado. O Aero Boero, na verdade, é conceitualmente obsoleto.

Uma antiga solicitação dos instrutores de vôo não foi atendida: que o avião de instrução pudesse realizar algumas manobras acrobáticas básicas. Nesse aspecto, o Aero Boero, classificado como Categoria Normal, era inferior ao Paulistinha P-56C, o que obrigou o DAC a reformular o programa de instrução, retirando algumas manobras do mesmo, como o parafuso comandado. Os instrutores que foram avaliar o avião na Argentina, entretanto, realizaram várias manobras acrobáticas com o avião, inclusive tendo a bordo o Sr. Hector Boero, e, dizem, que a aeronave somente não foi homologada para vôo acrobático porque o CTA pediu que o fabricante entregasse 3 aeronaves para avaliação, e o Sr. Boero não concordou.

Desde o início de sua operação nos aeroclubes, o avião tornou-se bastante polêmico. Havia entre os pilotos suspeitas de fragilidade estrutural, e boatos, nunca confirmados, de acidentes causados devido a isso. Outro boato, sem fundamento, é o de que o avião tinha a cauda pesada e era sujeito a entrar em parafuso chato. O avião, efetivamente, tem um comportamento mais instável no solo que os Paulistinhas, e alguns alunos chegavam mesmo a temer a aeronave, preferindo voar em outros modelos.

O fato é que o avião tem um trem de pouso deficiente: frágil, mal posicionado, bitola estreita e sem amortecedores. Posicionado muito à frente do CG, dificultava a manobra de levantamento da cauda durante a decolagem, além de piorar a estabilidade no solo, especialmente com vento de través. A bitola estreita, aliada à grande envergadura, torna praticamente inevitável o choque das pontas das asas com o solo, em um cavalo de pau, e a falta de amortecedores provoca saltos no pouso. O maior problema é a fragilidade do apoio das molas do trem na fuselagem, logo abaixo do assento dianteiro. Caso esse apoio se quebre, as molas podem ferir o ocupante do assento, geralmente o aluno.

A instabilidade no solo é uma característica inerente a todos os aviões com trem de pouso convencional, mas, nesse aspecto, o Aero Boero não é pior que outras aeronaves mais bem afamadas, como os antigos Cessna 180. Os incidentes de pouso com Aero Boero foram causados, em sua maior parte, por excesso de velocidade na aproximação ou por habilidade insuficiente do piloto (natural, pois se trata de um treinador...).

Em vários aspectos, o Aero Boero é uma aeronave bastante satisfatória: o piloto tem boa visibilidade para frente, característica rara em uma aeronave de trem convencional. É bastante dócil e estável em vôo, e muito didático e previsível em qualquer tipo de manobra. Graças à grande envergadura, tem uma boa razão de planeio (11:1). Mantêm a autoridade de comando em baixa velocidade, e os estóis são mansos, simétricos e bem advertidos. Ao contrário do mito, não existe nenhuma tendência a entrar em parafuso chato. Glissar um Boero é uma experiência interessante e surpreendentemente agradável.

O desempenho da aeronave não é brilhante. Com 115 HP para 770 Kgf de peso máximo, não se poderia esperar muito. É razoavelmente satisfatório nas decolagens e subidas, mas sua velocidade de cruzeiro é baixa, apenas 90 mph. Levando-se em consideração que a maior parte da vida útil de um Aero Boero consiste em manobras básicas e toques-e-arremetidas, pode-se considerar que a escolha do grupo moto-propulsor foi adequada. Um aumento de potência traduzir-se-ia, muito provavelmente, em aumento do consumo e aumento do preço da hora de vôo para o aluno.

O motor escolhido, um AVCO Lycoming O-235C2, de 4 cilindros, 3,85 litros de cilindrada e 115 HP a 2800 RPM, é um dos pontos altos do avião, apesar da baixa potência. Em serviço, mostrou-se bastante robusto e econômico, resistindo bravamente à difícil tarefa de instrução, repleta de acelerações e desacelerações bruscas e outros mal-tratos. Chega facilmente ao TBO de 2400 horas sem maiores problemas, ao contrário dos Paulistinhas e Cessnas 150, que, com seus frágeis motores Continental C-90 e O-200A, raramente atingem o TBO intactos, na instrução de vôo.

Além dos trens de pouso, a maior deficiência do Aero Boero está na ergonomia. Os assentos não são reguláveis, nem em distância nem em altura. Os pedais de freio, de calcanhar, são mal posicionados, e acionar a alavanca dos flaps exige um bom contorcionismo do piloto. Pilotos muito baixos ou muito altos encontram muita dificuldade. Embarcar e desembarcar é uma tarefa difícil. Os comandos do avião, ainda que precisos, são pesados, tornando a pilotagem um tanto cansativa, especialmente na instrução.

Uma aeronave injustiçada?

Dezoito anos após sua introdução, os Aero Boero ainda são as aeronaves-padrão de instrução nos aeroclubes, e milhares de pilotos ganharam suas primeiras asas nesse avião. Apesar da má fama, nenhum dos vários acidentes ocorridos pôde ser atribuído à falha de equipamento.

A perda de aeronaves é quase inevitável na instrução primária de vôo, mas as críticas relativas à falta de segurança dos Boeros nunca se justificaram. O avião pode ser pouco ergonômico, cansativo e desconfortável, mas não é perigoso, caso seja conduzido dentro de suas limitações operacionais e com responsabilidade.

O DAC, atualmente, está renovando a frota de treinadores com o Aeromot Guri, cujas entregas já começaram, mas se processam em ritmo muito lento. Os Guri são equipados com o mesmo motor dos Aero Boero, mas têm 900 Kgf de peso máximo na decolagem, definitivamente underpowered.

Como o DAC está em fase terminal, com a criação da ANAC, não se sabe o que vai acontecer no futuro, nem com os Aero Boero, nem com os Guri e nem com os aeroclubes. O fato é que os Aero Boero remanescentes já sofrem com a falta de peças de reposição, e falta de hélices e montantes de asa, por exemplo, já podem confinar aeronaves no solo por muito tempo, o que levou alguns aeroclubes a utilizar hélices "falsas", de madeira, para continuar a usar o avião, pelo menos até a próxima visita do INSPAC do DAC.

JONAS LIASCH FILHO - professor de aviação do Curso de Ciências Aeronáuticas da UNOPAR - Universidade Norte do Paraná, e do Aeroclube de Londrina, tendo voado 12 anos nos aviões AERO BOERO.

Texto e Fotos: Jonas Liasch Filho. Aviação em Revista. Foto do AB PP-FGI: Rodolfo Phillip - Airlines.net

Aeronaves do Aeroclube de Londrina

O Aeroclube de Londrina dispõe de uma grande frota de aeronaves para a formação de pilotos privados, pilotos comerciais, voo por instrumentos e instrutores de voo. Essas aeronaves são de diversos tipos, cada qual apta a determinados tipos de missão.
O Aero Boero 115 (foto acima) é a aeronave "padrão" para instrução de voo. É um monomotor de asa alta, de trem de pouso convencional, equipado com um motor Lycoming O-235, de 115 HP e 4 cilindros. É uma aeronave robusta e econômica, bastante confiável, e que opera no Aeroclube de Londrina desde 1988. Os Aero Boero substituiram os arcaicos e obsoletos Paulistinhas CAP-4 e P-56, que não tinham sistema elétrico, rádio e transponder. Embora sejam criticados por alguns pilotos e alunos, o fato é que os Aero Boero já formaram centenas de pilotos, com toda segurança, no Aeroclube de Londrina, nos mais de 20 anos em que estão em operação. Como é uma aeronave de trem de pouso convencional, necessita de um pouco mais de habilidade do piloto para operações no solo, como táxi, pouso e decolagem. O Aero Boero é a plataforma ideal de treinamento para quem deseja ser instrutor de voo ou piloto agrícola. Sua maior restrição é não poder fazer voos noturnos. Os Boeros operados pelo Aeroclube de Londrina são os PP-FGM, PP-GMA, PP-GMG e PP-GMR.
O Cessna 150 é um monomotor de asa e de trem de pouso triciclo, equipado com um motor Continental O-200A de 100 HP e 4 cilindros. São aeronaves antigas, mas muito robustas, que já formaram centenas de pilotos há quase 40 anos no Aeroclube. O Aeroclube de Londrina dispõe de 4 dessas aeronaves, e algumas são equipadas para instrução de voo por instrumentos sob capota. Um dos Cessnas 150, o PT-BKR, foi remotorizado com um motor Lycoming O-235, de 115 HP, e está prestes a retornar ao serviço ativo, depois de algum tempo parado para manutenção. É uma aeronave extremamente dócil para pilotar, tanto no solo quanto em voo. Como se trata de uma aeronave mais antiga que os Aero Boeros, seu custo de manutenção é mais alto, e o preço da hora de voo é um pouco mais cara que a dos Boeros. Os Cessnas 150 operados pelo Aeroclube são os PT-BTW, PT-BKR, PT-BKU e PR-BLO.

Os Cessnas 152 operados pelo Aeroclube são 3, todos arrendados. São muito semelhantes aos C150, mas possuem motores Lycoming O235, de 108 HP de potência. São arrendados de terceiros, e matriculados como PR-EMK, PR-VIE e PR-VAT.
Um único Cessna 172, o PR-BUL, é destinado ao treinamento avançado por instrumentos, pois é equipado com painel eletrônico Garmin G1000. Essa aeronave é apropriada para adaptação em aeronaves Glass Cockpit, um requisito importante para os alunos que irão operar aeronaves mais modernas.

O Embraer 712 Tupi é um monomotor de asa baixa, de 4 lugares e trem de pouso triciclo, equipado com um motor Lycoming O-360 de 180 HP e 4 cilindros. É uma aeronave mais avançada que os Boeros e Cessnas, pois possui mais equipamentos para voar por instrumentos e tem desempenho de voo bastante superior ao dos monomotores menores. O Aeroclube dispõe de um Tupi, o PT-VHV, fabricado em 1988 e muito bem conservado. O Tupi é muito dócil para se pilotar, e possui características de voo ideais para a transição entre os monomotores básicos de 2 lugares e aeronaves mais avançadas, equipadas com hélices de passo controlável e trens de pouso retráteis.
O Embraer 711ST Corisco Turbo é a aeronave "padrão" para o treinamento de voo por instrumentos do Aeroclube de Londrina. É um monomotor de asa baixa e cauda em "T", equipado com um motor Continental TSIO-360 de 200 HP, de 6 cilindros, turbocomprimido e injetado. É um avião de excelente desempenho, mais apto para alunos mais experientes, pois possui trem de pouso retrátil, piloto automático, hélice de passo controlável automático e outros refinamentos. O Corisco do Aeroclube de Londrina, o PP-FXH, é totalmente equipado para treinamento de voo por instrumentos, sua principal missão. Foi fabricado em 1986 e está em impecável estado de conservação.

O Piper PA-34 Twin Comanche é a aeronave utilizada para treinamento multimotor do Aeroclube de Londrina. A aeronave, matriculada PT-DIS, está em serviço depois de passar por um extenso trabalho de manutenção e atualização dos aviônicos. É um bimotor de asa baixa, equipada com dois motores Lycoming IO-320, de 160 HP e quatro cilindros cada. É uma ótima aeronave para instrução de multi-motor, pois é bastante econômica e tem custo de hora de voo bastante acessível.

Aeroclube de Londrina: um centro de excelência em formação profissional

No início da década de 1940, os tempos eram difíceis: a Europa estava em plena Segunda Guerra Mundial, que ameaçava se espalhar pelo resto do mundo. O Governo Federal, preocupado com os rumos da guerra, resolveu concentrar os meios aéreos militares em uma única arma, a Força Aérea Brasileira, e criou o Ministério da Aeronáutica, que teria poderes para administrar tanto a aviação civil quanto a aviação militar.
O mundo e o Brasil percebiam, então, a grande importância que a aviação teria no destino da humanidade. Um influente jornalista, Francisco de Assis Chateabriand, dono de um império de comunicações da época, os Diários Associados, iniciou uma campanha para formar pilotos civis no Brasil inteiro, e esses pilotos formariam uma "reserva" de mão de obra aeronáutica que poderia, se necessário, entrar em combate caso o Brasil se envolvesse efetivamente na guerra (o que viria a acontecer em agosto de 1942). A campanha foi denominada "Campanha Nacional de Aviação", e contaria não só com o apoio do Governo, mas também de empresas e pessoas físicas, através de doações de dinheiro, terrenos, hangares e aeronaves.

Centenas de aeroclubes, centros de formação de pilotos, foram constituídos no Brasil graças ao apoio da Campanha Nacional de Aviação de Chateaubriand. Entre esses aeroclubes, merece especial destaque o Aeroclube de Londrina.

No início de 1941, Londrina era uma cidade jovem, tinha apenas 10 anos de existência e seis anos de emancipação política. A cidade foi criada com base em loteamento promovido por uma empresa de capital inglês, a CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná, subsidiária da Parana Plantations Ltd, com sede em Londres. Tal empreendimento sobrevivia graças à cultura do café, então o grande produto de exportação brasileiro e base da nossa economia.

Um grupo de cidadãos londrinenses, em uma reunião realizada em 21 de janeiro de 1941, resolveu criar um aeroclube na cidade. Fizeram parte dessa reunião o Prefeito nomeado de Londrina, Miguel Balbino Blasi, Ruy Ferraz de Carvalho, Anísio Figueiredo, Vicente Cioffi, Newton Câmara, Luiz Estrela, Davi Dequech e Atanásio Belo. Essa reunião elegeu o Dr. Anísio Figueiredo como Presidente.
O Dr. Figueiredo logo começou os trabalhos para dotar o Aeroclube de Londrina com uma estrutura que o habilitasse a receber uma aeronave da Campanha Nacional de Aviação. Os irmãos Mábio e Edson Palhano doaram uma área de terras vizinha ao aeroporto de Londrina, próxima ao Patrimônio Espírito Santo. O hangar foi construído todo em madeira, cedida pelas serrarias Mortari, Carlos Almeida e Fabrini, e a mão de obra foi cedida, sem ônus, pelo Prefeito Miguel Blasi. A construção demorou poucas semanas.

O Dr. Anísio, logo após a construção do hangar, foi a São Paulo solicitar a Assis Chateaubriand um avião de instrução. O jornalista prometeu enviar uma aeronave assim que possível, encarregando o piloto e jornalista Joaquim Macedo de levá-lo a Londrina em voo. No regresso a Londrina, o Dr. Anísio foi recebido por uma multidão e pela Banda Municipal, que o aguardava na Estação Ferroviária. Não faltaram os tradicionais discursos na festa que se seguiu.

O avião chegou a Londrina na tarde de um domingo de sol, mas o piloto não conseguiu localizar o campo. A aeronave acabou fazendo um pouso sobre os pés de café da Fazenda Coati, nas proximidades da Rua Quintino Bocaiúva (hoje Bairro Shangri-la), e ficou bastante danificada, mas o piloto nada sofreu. O fato adiou a entrega oficial do avião, o que ocorreu somente no dia 1º de julho de 1945. Era um Piper Cub J-3, matriculado PP-RYK, que foi batizado com o nome "Londrina".

O Dr. Anísio Figueiredo deixou a presidência do Aeroclube em 1943, sendo substituído por Newton Câmara. Posteriormente, a Presidência seria assumida por Celso Garcia Cid. Durante os anos da guerra, embora o governo ainda fornecesse algum combustível, a situação do Aeroclube de Londrina ficou bastante difícil, devido aos racionamentos da época e ao estado deplorável do aeroporto. O acesso ao campo de pouso era muito difícil, a estrada era de terra batida e ficava totalmente intransitável em dias de chuva.
Os dirigentes do Aeroclube fizeram uma campanha junto à Prefeitura para mudar o aeroporto para um local mais acessível. A Prefeitura adquiriu um terreno que pertencia a uma colônia japonesa, a Seção Ikku, no lote 1 vendido pela CTNP, permutando a área com terrenos no centro da cidade. Todavia, o negócio não foi adiante, pela dificuldade dos japoneses entregarem efetivamente a área, pois o governo federal estava criando dificuldades para isso por considerar os imigrantes nipônicos como "inimigos em potencial".

O fato é que ninguém fez nada em relação ao novo campo de pouso até que, no dia 29 de outubro de 1945, o Governo Vargas renunciou, levando junto todos os Prefeitos e Governadores (na época, Presidentes de Estado) nomeados. Aproveitando o "vácuo de poder", que durou três dias, dois integrantes do Aeroclube, os médicos Jonas Farias de Castro Filho e Afonso Haikal, pegaram dois tratores de esteira da Prefeitura e arrancaram os primeiros pés de café para abrir a pista de pouso.
A nova pista, entretanto, só começou a operar em 1949, pois o aeroporto antigo foi revitalizado após a guerra e começou a operar aviões comerciais, das empresas VAA - Viação Aérea Arco Ìris e REAL - Redes Estaduais Aéreas Ltda. Somente em 1953 o velho aeroporto, então denominado "Aviação Velha", foi totalmente desativado.

Em 25 de agosto de 1947, o Aeroclube sofreu um grande abalo com o primeiro acidente com vítimas da história da instituição. O Piper PP-RYK, ao sobrevoar o centro da cidade, chocou-se com um avião Stimson particular, procedente da cidade de Cornélio Procópio. Ambas as aeronaves se precipitaram ao solo, o Stimson na Praça Rocha Pombo e o Piper em uma serraria na Rua Acre, logo abaixo do pátio de manobras da Estação Ferroviária. Ambas as aeronaves foram destruídas e nenhum dos dois pilotos sobreviveu ao desastre.

O Aeroclube, no início dos anos 50, funcionou no hangar da empresa RETA - Rede Estadual de Táxi Aéreo (hoje Oficinas Unidas, antiga Avipar), até que fosse construído um hangar próprio no terreno doado pela prefeitura ao Aeroclube. As obras para a construção do hangar iniciaram-se em 1955. O prédio tinha estrutura mista de alvenaria e madeira. A madeira de alta qualidade (peroba rosa) empregada na construção das salas de aula, secretaria e da estrutura do teto foi cedida principalmente pelas Serrarias Lolata e SIAM. O hangar foi batizado com o nome de "Jayme Americano", em homenagem a um oficial da FAB dos anos 40.

O novo hangar do Aeroclube foi inaugurado com uma grande festa, junto com a pista pavimentada do aeroporto, em 08 de abril de 1956. Estavam presentes à inauguração o Prefeito Antônio Fernandes Sobrinho, o Governador Moysés Lupion, Assis Chateaubriand, o comandante da 5ª Zona Aérea e outras autoridades.

O Aeroclube de Londrina tem um histórico de ser um centro de formação profissional, ao contrário de muitos outros, que se voltaram à prática de aerodesportos. Consequentemente, Londrina nunca foi um grande centro de vôo a vela ou de paraquedismo, mas em compensação formou centenas de pilotos, comissários e mecânicos para a aviação privada, executiva e comercial. Como está instalado em um grande e movimentado aeroporto comercial, administrado pela INFRAERO, o Aeroclube tem diversas facilidades proporcionadas por toda essa infraestrutura, proporcionando um treinamento completo para seus alunos.

Depois dos cursos de pilotagem, que formaram as primeiras turmas em 1946, o Aeroclube criou novos cursos, de comissário de voo no final dos anos 90, e mecânico de manutenção aeronáutica, nos anos 2000. Hoje, o Aeroclube atrai alunos do Brasil inteiro para seus cursos de formação profissional, tendo convênio com a UNOPAR - Universidade Norte do Paraná para formar alunos em nível Superior, com o Curso de Ciências Aeronáuticas, um dos 3 primeiros implantados no país, em 1999.

Atualmente, o Aeroclube de Londrina possui uma área de 13 mil metros quadrados ao lado do Aeroporto, a menos de dois Km do centro da cidade, quatro aeronaves Cessna 150 (PT-BKR, PT-BTW, PT-BKU e PR-BLO), um Embraer Tupi (PT-VHV) e um Piper PA-20 (PP-GPH)além de 4 aeronaves Aero Boero 115 cedidos em comodato pela ANAC (PP-FGM, PP-GMA, PP-GMR, PP-GMG e um Embraer Corisco Turbo também cedido pela ANAC (PP-FXH). Complementando a frota, existem ainda cinco aeronaves arrendadas, os Cessnas 152 PR-EMK, PR-VIE e PR-VAT, o Cessna 172R PR-BUL, equipado com Glass Cockpit (instrumentos eletrônicos no painel) e o bimotor Piper Twin Comanche PT-DIS. Também dispõe de um simulador SBPA certificado para treinamento de voo por instrumentos.

Os cursos atualmente mantidos pelo Aeroclube de Londrina são: Piloto Privado, Piloto Comercial, Vôo por Instrumentos (IFR), Instrutor de Voo de Avião (INVA), Comissário de Voo, Mecânico de Manutenção Aeronáutica (MMA), nos módulos Básico, Célula e Grupo Moto-Propulsor. Tem dois alojamentos, com um total de 45 lugares para alunos de fora de Londrina, dentro do próprio Aeroclube, a menos de 5 minutos de ônibus ou de carro do centro da cidade.

A atual Diretoria do Aeroclube, eleita em Assembléia Geral em julho de 2011 para o biênio 2011/2013, é encabeçada por Antônio Francisco Magnani, tendo o Coronel da Reserva da Aeronáutica Humberto Sérgio Cavalcante Marcolino como Vice-Presidente. Essa Diretoria tem o objetivo de continuar o trabalho de re-estruturação iniciado há algumas gestões no sentido de ampliar a frota, os serviços e as instalações, como salas de aula (hoje, são 7 salas de aula, todas com ar condicionado e equipamentos de multimídia), alojamentos e instalações administrativas. A atual gestão está empenhada em aumentar a produtividade da frota e ampliar as instalações.

O Aeroclube de Londrina possui hoje mais de 550 alunos práticos e teóricos, e voa mais de 700 horas de instrução por mês., e foi considerado em 2007 como o melhor aeroclube do Brasil pela ANAC, devido ao número de alunos aprovados em bancas, checados, produtividade por aeronave, qualidade de ensino e do corpo docente.